Carolina Daniel de Lima-Alvarez e Justo Emilio Alvarez Jácobo*

 

Há mais de 2 meses vivemos uma situação nunca antes imaginada, que nos “convida” a permanecermos dentro de casa! Podemos encarar esse momento como um “cárcere”, com pesar ou tristeza, ou entendê-lo também como um tempo propício para o recolhimento, a introspecção, a análise profunda da vida, a oportunidade de redesenhar o futuro e de crescimento em todos os âmbitos!

Trata-se de um tempo oportuno para analisarmos o mundo, a política, a economia, e, principalmente, a nós mesmos e a toda a humanidade. Nessa análise, encontraremos a beleza essencial do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, bem como sua debilidade, fraqueza, insensibilidade e maldade.

Liturgicamente, vivenciamos a Quaresma, a Páscoa e o Pentecostes, momentos de interiorização e penitência, reconciliação e vitória, espera e júbilo. Pessoalmente, vivemos um turbilhão de emoções advindas dos noticiários e dos desafios diários: conciliar trabalhos domésticos, cuidado com os filhos/pais; atender à necessidade de nos adaptarmos às demandas do trabalho remoto e às novas condições econômicas. Socialmente, a humanidade chora! Como não sofrer com o grito silencioso de tantas vidas perdidas (mais de 382 mil/mundo)1 e com a dor de suas famílias; com a exaustão, medo e tristeza dos profissionais da saúde que, apesar de não terem condições adequadas de trabalho e dignos salários, consomem-se em longos turnos e veem-se obrigados a decidir a quem darão a chance de viver, diante da escassez de recursos; com os idosos doentes, que, uma vez internados, veem-se sozinhos em seu sofrimento, sendo-lhes negado o direito de ter seus entes queridos próximos? Como não se entristecer com o crescimento da desigualdade social, da taxa de desemprego, da falência de pequenas empresas e com o desespero de muitos profissionais liberais? Como não sentir dor com o aumento da violência doméstica, que faz com que a voz de inúmeras crianças, mulheres e idosos sejam ainda menos ouvidas nesse tempo de isolamento social? Vivemos, desta forma, ainda a dor da sexta feira da Paixão!

Em meio a tantos ruídos, somos convidados por Deus a silenciarmo-nos e buscarmos a vivência da escuta quaresmal. Está nos conduzirá ao processo de esvaziamento do EU, essencial para permitir o crescimento de CRISTO RESSUSCITADO em nós, o qual nos tornará aptos a receberem a efusão do ESPIRITO SANTO (ES).

Em Pentecostes diferentes raças, com línguas, valores e costumes diversos se faziam presentes. Aqueles vindos de todas as partes tinham diferentes opiniões, vinham por diferentes caminhos. Era grande a diversidade daquele dia, talvez tão grande quanto a que vivemos hoje. No entanto, os discípulos, apesar das incertezas e temores sobre o futuro “estavam todos reunidos com um mesmo objetivo”2. Então, com o sopro do ES, um milagre acontece! Os discípulos, ora sentados3, passivos, quem sabe pessimistas em relação ao que os esperava, “tornam-se cheios do ES e começam a falar novas línguas”4. Pedro enche-se de coragem e toma seu posto à frente da Igreja primitiva, põe-se em pé e dirige-se à multidão5 com autoridade e ousadia, falando-lhes das promessas divinas, da necessidade de conversão e arrependimento e exortando-os a salvarem-se da geração perversa6. O maior milagre daquele dia, no entanto, foi que todos os diferentes povos entenderam em sua própria língua a mesma mensagem, foram batizados pelo mesmo ES e formaram uma ÚNICA Igreja.

Nunca antes no mundo, os diferentes foram tão iguais como hoje! Países ricos e pobres, conservadores e progressistas, brancos e pretos, cristãos e não cristãos, pessoas renomadas ou desconhecidas: todos suscetíveis ao mesmo vírus, o menor de todos os seres vivos, que ultrapassou fronteiras, crenças e regimes políticos7. Ao mesmo tempo, como nunca, as diferenças tornaram-se tão evidentes e gritantes! Sem dúvidas, o tempo presente clama por um espírito de UNIDADE, que construa empatias, que nos faça solidários, caridosos, mensageiros da paz!

Qual é o segredo dessa unidade? Para nós, cristãos, evidentemente é o ES. E qual é o segredo do ES? É que ele é um DOM, e, sendo Deus, vive para doar-se a todos, unindo-nos. Por que isso é importante? Para respondermos a esta pergunta precisamos meditar as palavras do Papa Francisco na homília de Pentecostes deste ano8:

Porque o nosso modo de ser crentes depende de como entendermos Deus. Se tivermos em mente um Deus que toma, que Se impõe, desejaremos também nós tomar e impor-nos: ocupar espaços, reivindicar importância, procurar poder. Mas, se tivermos no coração que Deus é dom, muda tudo. Se nos dermos conta de que aquilo que somos é dom d’Ele, dom gratuito e imerecido, então também nós quereremos fazer da própria vida um dom”.

Iluminados por tão bela e profunda reflexão, podemos entender que o Pentecostes não deve se restringir a um único momento na Igreja ou em nossas vidas, mas deve constituir-se em muitos únicos momentos! A cada desesperança, medo, insegurança, devemos clamar pelo dom do ES – “Vem Espírito Santo, transborde em nós o seu dom!”.

Todavia, se o ES é dom, e ao doar-se faz de nós UM consigo, o que nos impede de doarmo-nos aos outros? Segundo o Papa Francisco, há três inimigos deste dom: o narcisismo, o vitimismo e o pessimismo8 O primeiro, leva-nos a uma exaltação de nós mesmos, colocando-nos acima do outro e tornando-nos insensíveis ou indiferentes à dor alheia, impedindo-nos de agir com caridade. Quem de nós nesse momento, de fato, tem se solidarizado com a dor do outro? O vitimismo, por sua vez, fecha-nos em nossas dores, embaça nosso olhar e faz-nos indiferentes, incapacitando-nos de sermos solidários. Afinal, nossos problemas são os maiores e mais urgentes do mundo! Por último, porém não menos importante, é o pessimismo, pois ao reclamarmos de tudo e culpamos a todos pelas dificuldades presentes, abstemo-nos da nossa responsabilidade e, consequentemente, da possibilidade de sermos agentes da mudança. Assim, impedimos o cultivo da esperança, e cerceamos o pulsar da vida.

Hoje vivemos um momento histórico! Nossos filhos, netos, bisnetos estudarão a tão falada e alastrada pandemia nos livros de História! O mundo não será mais o mesmo quando tudo isso passar! Temos em nossas mãos a possibilidade de agirmos decididamente e escrevermos uma nova história. Para tal, faz-se necessário estarmos intimamente conectados a Deus, mergulharmos neste ES derramado, desmistificarmos nossa vocação e tomarmos posse da nossa missão como homens e mulheres, batizados pelo ES. Assim como a rainha Ester, que se preparou toda a vida para agir certeiramente em um único momento decisivo, estejamos prontos!

Diante de situações críticas, é impossível continuarmos igual ao passado. Seremos melhores, ou piores, não mais os mesmos. Portanto, tendo em vista tudo o que temos vivido, não podemos voltar à normalidade e “continuar fazendo o que fazíamos, nem como fazíamos, senão todo o sofrimento terá sido em vão, se não construirmos uma sociedade mais justa, equitativa, cristã9 . Hoje o mundo sofre e está ferido9. Precisamos doarmo-nos e levarmos Jesus a todos; abandonarmos o narcisismo, o vitimismo e o pessimismo, e propagar a caridade, solidariedade e esperança! Somos uma única humanidade, não nos salvaremos sozinhos9! Por isso, clamemos a uma só voz ao Espírito um NOVO e CONSTANTE Pentecostes, que nos coloque de pé, com ousadia, coragem e autoridade no anúncio da Boa Nova!

*Carolina Daniel de Lima-Alvarez e Justo Emilio Alvarez Jácobo – casados, pais de Catarina, Theo e Luca, e membros da CNP-RCCBrasil. Ela é fisioterapeuta ao serviço do Reino e atua como docente no curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail para contato: caroldaniellima@gmail.com. Ele é peruano, engenheiro mecânico e eletricista ao serviço do Reino e atua como docente no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail para contato: justo.alvarez@gmail.com.

Referências


  1. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (HU). Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu, consultado em 03 de junho de 2020.
  2. Atos 2,1.
  3. Atos 2,2b
  4. Atos, 2,4a
  5. Atos, 2,14a
  6. Atos 2,38-40
  7. Homilia do Frei Raniero Cantalanessa na celebração litúrgica da sexta feira santa. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-04/pregacao-sexta-feira-paixao-raniero-cantalamessa-vaticano.html. Consultado em 03 de junho de 2020.
  8. Homilia do Papa Francisco na celebração litúrgica de Pentecostes 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2020/documents/papa-francesco_20200531_omelia-pentecoste.html. Consultado em 03 de junho de 2020.
  9. Mensagem em vídeo do Santo Padre para a Charis (Catholic Charismatic Renewal International Service) por ocasião da vigília de Pentecostes mundial organizada online. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/events/event.dir.html/content/vaticanevents/pt/2020/5/30/videomessaggio-charis.html. Consultado em 03 de junho de 2020.
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